Tem dias que simplesmente são bons, sem motivo algum, são bons. Com motivos até pra serem ruins, são bons. Hoje foi um dia como qualquer outro, acordei cedo, tomei meu café da manhã, fui trabalhar, respondi dezenas de e-mails, atendi outras dezenas de telefonemas, resolvi problemas, substituí o almoço pela manicure, morri de frio no ar condicionado do escritório e às seis da tarde eu estava no ponto de ônibus.
O ônibus demorou bastante, o que fez com que eu pegasse ele absurdamente lotado, o dia inteiro fez 30 graus, no fim da tarde o Sol ainda é alto nessa época do ano e o calor não perdoava. Uma das principais avenidas da cidade que eu preciso passar, lotada e parada como toda sexta-feira, paciência é a palavra de ordem. Encostei em uma porta, tirei meu livro da bolsa e retomei a leitura de onde tinha parado no percurso da ida ao trabalho, não fosse um solavanco que fez as pessoas se amontoarem, eu teria terminado ele. O ônibus bateu em um carro que atravessou na frente, os agentes de trânsito foram acionados, os passageiros deveriam descer do ônibus. Desci, achei desagradável, mas ser o motorista do carro seria pior. Tentando rir da situação, parei no ponto seguinte e esperei o próximo ônibus passar.
Depois de uns 30 minutos de espera, o ônibus chegou e se o anterior já estava lotado, vocês conseguem imaginar como este segundo também estava. Espremida do lado do motorista e depois de pedir pra uma menina levantar pra dar lugar à uma grávida, uma japinha idosa que insistia não precisar sentar, puxou assunto. Ela falou sobre a usina hidrelétrica de Belo Monte, sobre índios, sobre peixes sobre dinheiro, sobre criminalidade, ela só precisava que eu assentisse com a cabeça e falasse umas duas palavras no meio das dela. Era o ponto dela, ela desceu.
Como quem apenas esperava o momento certo, um menino de 11 anos puxou assunto perguntando “tia, quantas capitais você conhece?” Enumerei todas e, pelo sotaque, sabia que não era daqui e resolvi perguntar. O menino pernambucano mora aqui há apenas seis meses em uma família que o adotou e já anda sozinho, me contou sobre as estrelas que não consegue ver na cidade cinza e sobre o sonho de conhecer a neve e a Disney. Aliás, me contou sobre como a Disney é enfeitiçada para que nenhum parque seja melhor, fingi surpresa e senti que ele ficou feliz em ter me contado algo que eu não sabia.
Perto do próximo ponto, vi uma multidão de gente, tentei ir pra perto da catraca, um time de futebol estava prestes a entrar. Agradeci a conversa ao menino e fui me enfiando no meio do pessoal. Chegando perto da catraca, perguntei ao cobrador “vou descer no ponto da ******, daqui fica mais fácil eu pagar e sair pela frente ou tentar descer por trás?”. O cobrador aconselhou seguir e disse que com fé eu chegava na porta, pediu licença por mim pra meia dúzia e eu fui. Nisso uma mulher com 3 colegas disse pra mim “vou grudar em você e vou atrás” e uma outra brincou com a situação gritando “ÁGUA, ÁGUA, DEZ REAIS! BEBE E DEPOIS PAGA!” Lá na frente um senhor que mal tinha os dentes gritava pro pessoal andar pra frente e tentar empurrar com o IMBIGO porque lá perto do motorista estava apertado. Eu cheguei na porta e, poucos minutos depois, o ônibus parou no ponto que eu deveria descer.
Subindo a rua de casa cansada, com as bochechas vermelhas de calor, querendo um banho e uma garrafa de água gelada, eu me peguei feliz e com o humor estranhamente inabalado. E onde eu quero chegar é que brasileiro é um povo demais, que luta, que trabalha, que ganha pouco, mas que não perde o requebrado. Eu acho que todo mundo deveria se misturar algumas vezes nessa vida ao que chamam de povão, dar uma de Regina Casé mesmo, conversar, trocar ideia, ouvir a conversa alheia, pegar um ônibus lotado, rir, fazer piada… É óbvio que eu prefiro um carro com ar condicionado, música boa, cheiro agradável e a mochila no banco do lado ao invés de nas costas te preparando pra uma hérnia, mas ver (e viver) o mundo real é preciso e, sabendo tirar proveito, é enobrecedor.
Sabem, eu sou uma apaixonada pela França e pela atmosfera parisiense, tive a oportunidade que a minoria tem de ir mais de uma vez e me apaixonar mais ainda, mas ainda que seja verão e os termômetros marquem 30 graus, a cidade é gelada. Já Londres parece cenário de filme a qualquer esquina medíocre, os homens são verdadeiros lords, as mulheres são elegantes, mas é gelado. Assisti à maior covardia da minha vida em um clássico ônibus londrino de dois andares e mais de 20 pessoas, enquanto um homem batia brutal e covardemente em um outro, assistiram imóveis como quem assistisse à um filme. Gelo. É o calor do Brasil que faz com que as pessoas se apaixonem, a compaixão, o espírito rico do povo que luta e acredita que faz com que o Brasil tenha aquilo que todo mundo ama, mas ninguém sabe explicar.
Não, eu não sou uma pessoa super alto astral que nunca reclama e vê o lado bom de tudo nessa vida, eu reclamo, eu sou rabugenta muitas vezes, eu sou muito mais ranzinza que uma pessoa de 24 anos deveria ser, mas hoje eu estou especialmente feliz e absolutamente capaz de assistir o desagradável com bons olhos e resolvi compartilhar. Eu estou feliz e acho que é a felicidade o segredo de tudo, ela é capaz de alterar a ótica das pessoas sobre as coisas. É só ser feliz acima de tudo e o resto todo parece mais doce. Sem querer ser piegas, é isso mesmo. Pode ser que essa minha onda quase hippie acabe amanhã, então achei válido deixar aqui registrado nesse blog o dia em que nada me abalou.
E se você, em um mundo de leitores apenas de títulos e manchetes, leu até o fim, parabéns e muito obrigada.
Um ótimo fim de semana pra todo mundo!