Ano passado um amigo muito querido, meu filho mais velho que eu, fez uma viagem incrível! Foi sozinho encontrar desconhecidos, com uma mochila nas costas, em busca de realizar mais um sonho. Venâncio Filho é fotógrafo e mora em Curitiba. Sempre achei muito legal ele ter partido pra Noruega em busca de uma boa foto do céu, ele foi caçar a aurora boreal e eu fiz algumas perguntas pra ele sobre essa expedição fotográfica e ele me respondeu com tantos detalhes que me fez até chorar. Estou muito feliz em ter o aval dele pra dividir com todos vocês. Antes da entrevista, uma explicação rápida do nosso amigo Google sobre o fenômeno que ele foi buscar:
“A aurora boreal é resultado da energia liberada por campos magnéticos solares. Na Terra, essa energia interage com oxigênio e nitrogênio para produzir um show de luzes vermelhas, verdes e roxas.”
Ao longo do post, divido com vocês algumas dos registros que ele fez na viagem. Vamos começar!
Hariana Meinke: De onde você tirou a ideia de viajar pro norte europeu pra tentar fotografar a aurora boreal?
Venâncio Filho: A Aurora Boreal sempre me fascinou. É de longe o fenômeno natural que mais me chama a atenção desde que comecei a me interessar por essas coisas e a tentar entender um pouquinho da física por trás de tudo. Chuva, vento, arco-íris, enfim… tudo que envolve o “mundo natural” sempre despertou minha curiosidade, antes mesmo de eu pensar em ser fotógrafo. Mesmo eu sendo um zero à esquerda com números, a Física era uma das minhas matérias preferidas no colégio por causa da parte teórica, que me ajudava a entender o mundo lá fora.
Bom, avançando um pouco na história: eu estava em mais uma daquelas noites de pouco sono, navegando aleatoriamente na internet, um link leva a outro, e de repente comecei a ver videos em time lapse da Aurora Boreal. Me deu um estalo: procurar fotógrafos brasileiros que já tivessem registrado esse fenômeno, porque a maioria dos que eu já conhecia eram noruegueses, finlandeses, suecos, enfim… europeus que tem acesso mais fácil aos locais onde a Aurora costuma ocorrer. Nisso acabei, muito sem querer, no site da Aventura Boreal. Um grupo que seria liderado pela Claudia Regina (fotógrafa de Curitiba que mora no Rio, se não me engano), explorando a Noruega, “caçando” a Aurora Boreal. A viagem aconteceria dali há quase um ano, mas na mesma hora eu já entrei em contato pelo site pedindo mais informações. Na época minha mãe havia falecido há pouco, e eu havia recebido algum dinheiro do seguro de vida dela… automaticamente pensei: “vou gastar com algo que minha mãe me daria de presente em vida, se ela pudesse. Vou realizar um sonho de infância!”.
HM: Você sabia que existia o risco de investir uma grana, viajar e não conseguir ver, certo? Estava preparado pra isso?
VF: Sim, esse risco era bastante real! Tanto que, dos 3 grupos que foram formados para a expedição no ano em que eu fui, apenas os dois primeiros conseguiram presenciar a Aurora. O meu foi o segundo. Na verdade, seria o primeiro, mas devido à procura, outros foram abertos. Um antes e outro logo depois do meu. Mesmo sabendo que havia esse risco, eu estava bastante confiante. Escrevi para um fotógrafo norueguês que sigo no Facebook, falando sobre a época do ano em que eu ia pra lá, contando alguns detalhes, e ele me respondeu dizendo que aquela era a época do ano mais favorável. Existem alguns detalhes que precisam estar em consonância. Atividade solar alta (tempestades solares) nos dias anteriores, céu limpo, etc… enfim, não dá pra prever com muita exatidão quando e onde as Luzes do Norte vão aparecer. Uma semana antes da viagem, todo o grupo estava no Facebook ansioso por notícias do grupo anterior. Até que eles finalmente começara a enviar as primeiras fotos da Aurora, e fui ficando mais tranquilo. De qualquer forma, até o momento em que eu realmente vi a coisa acontecendo, eu não tinha certeza de nada!
HM: Como você encontrou o grupo com quem você viajou? Pode explicar um pouco sobre como funciona? Aconselha ir sozinho ou o grupo é realmente a melhor opção?
VF: Existe muita gente que vai sozinha! Eu nunca fui fã de viagens em grupo dessa maneira, por agências. Geralmente tem roteiros pré-determinados, alguns programas chatos, e eu não sou exatamente a pessoal mais social do mundo! Mas nesse caso específico, era uma excursão de fotógrafos, especialmente organizada para caçar a Aurora Boreal, então foi mais tranquilo. Se não me engano eu fui o único a sair de Curitiba, então encontrei a maioria do grupo no aeroporto em São Paulo. Alguns poucos outros eu só conheci já em Oslo, na Noruega. Até então só tinha contato com alguns deles pelo grupo que foi criado no Facebook.
Outra vantagem importante de ter feito essa viagem em grupo foi o transporte. Para visualizar melhor o fenômeno, é preciso ir para o interior do país, onde não há poluição luminosa. Então no final da tarde nós saíamos do hotel em um ônibus fretado, que dirigia noite e madrugada adentro por estradas estreitas e pouco iluminadas, repletas de gelo e neve, fazendo paradas para observar o céu e esperar. Sozinho, com um carro alugado, teria sido inclusive perigoso fazer essas saídas, eu acho.
HM: Você consegue descrever a sensação de quando você viu pela primeira vez o colorido no céu? Conseguiu ver a olho nu ou só pela câmera?
VF: Olha, eu já tentei muitas vezes. Mas é muito difícil. Existem alguns videos em time-lapse que se aproximam bastante no quesito visual. As fotos são coisas completamente diferentes. Eu pensei numa analogia pra tentar explicar essa diferença. Imagine que você está vendo um espetáculo de dança no teatro. Pense na sua experiência visual, uma bailaria rodando pelo palco. Agora imagine uma foto dessa bailaria feita com longa exposição. O que você verá como resultado é um traço dos lugares por onde essa bailarina passou, entende? É isso que as fotos são. Registros dos traços por onde a luz dança no céu. No começo da Aurora, nos primeiros segundos, ela só é visível pela câmera, em longa exposição. A primeira foto que a gente faz, no tripé, escuridão total e um frio desumano, é um susto! Porque o céu está negro, mas a foto mostra alguns riscos verdes! A olho nu você percebe que tem algo diferente, como se fosse uma névoa… algumas estrelas parecem estar borradas, então você sabe: ali está a Aurora. Mas de repente, como se fosse um nascer do sol, ela começa a ser visível aos olhos. Uma pontinha verde, como se fosse a ponta de um tecido que de repente se desdobra, como se o vento estivesse levando esse pano verde (azul, lilás, vermelho, rosa…) numa verdadeira dança. A coisa toda não durou mais do que 15 minutos, na primeira vez que eu vi. E tenho exatas 8 fotos dessa noite. Cada uma delas levava 20 ou 30 segundos de exposição para ficar pronta, e teve um momento em que eu larguei a câmera no tripé e me deitei na neve, passando os últimos minutos com um sorriso de orelha a orelha, só observando, pensando na minha mãe, vendo aquelas cores todas dançando no céu… E de repente ela vai sumindo, às vezes aparece de novo em outro canto do céu, por trás de outra montanha… e isso tudo foi já na primeira noite em que saímos para a caçada! Foi muita sorte! Destino, ou como queiram chamar. Sei que foi mágico. Clichê, mas não tem outro termo que explique melhor.
HM: Além da câmera cheia de fotos espetaculares, o que mais você trouxe na sua bagagem e que leva até hoje?
VF: Bom, a Noruega é um caso à parte. Se não me engano é o maior IDH do mundo, e só por esse dado você já pode imaginar mais ou menos como é a experiência no país. O lado ruim, para nós turistas brasileiros, é que as coisas são todas bastante caras. Além da experiência da Aurora, fiz algumas outras coisas legais, como andar nos trenós puxados por huskies. Parece um pouco cruel, algumas pessoas se negaram a fazer o passeio… mas alguns desses cachorros são acostumados a puxar os trenós até a Dinamarca! Eles são bem tratados e adoram correr. Nesse mesmo dia eu comi uma sopa de carne de rena. Bem, bem ruim. Trouxe na bagagem alguns vinis de bandas de metal também (afinal de contas, é a Noruega!), mas o fato de ter ido tão longe, realizado um sonho de infância, algo que parecia muito, muito distante quando eu era pequeno e (não existia internet!) dependia de matérias esporádicas no Fantástico ou na Superinteressante pra conhecer, é inesquecível. Hoje trago comigo ainda mais forte um respeito muito grande pelo universo, a consciência de que somos uma parte de um todo muito, muito maior.
HM: Qual foi a sua maior dificuldade? Era um frio bem intenso, né? Isso foi um fator complicador?
VF: Dificuldade foi armar o tripé de metal naquele frio, tendo perdido meu par de luvas na primeira noite! E sempre deixava pra depois pra comprar outra (havia uma loja ao lado do hotel, foi burrice minha mesmo). Sério, a minha mão colava no metal do tripé quando eu descia do ônibus. O curioso é que o termômetro do celular mostrava temperaturas próximas a -2 graus. Não é nada absurdo, eu já vi -5 aqui em Curitiba! Mas lá fora, no vento, de madrugada, em meio ao nada, com neve caindo… não é fácil, mesmo. De qualquer forma, era só alguns momentos por noite, fora do ônibus. Eu vestia uma segunda pele completa (calça e camisa), mais uma calça jeans e uma calça impermeável, blusa de lã e jaqueta impermeável, além do gorro e as luvas que perdi. Não chega a ser um frio proibitivo, mas a galera do país tropical bonito por natureza deu uma chorada, sim!
HM: Pode dividir algumas das fotos com a gente?
VF: Não.
Sim, ele é bem engraçadinho às vezes, mas claro que dividiu as fotos com a gente! Preparem-se, imagens FORTES:
É ou não é de se emocionar com esse relato todo e essa obra de arte da natureza?? Fica aqui, mais uma vez, meu MUITO obrigada a esse amigo mais que querido. E pra vocês que ainda ficaram curiosos, aqui tem outras fotos dessa experiência dele. Tem mais Venâncio no Instagram também, vale a pena seguir! 🙂
Quem gostou pode curtir e compartilhar aqui e ajudar a fazer esse trabalho lindo rodar, né?
Bom final de domingo e boa semana pra todo mundo!