“Eu sou assim”

Quantas vezes a gente já não ouviu essa frase como justificativa de todos os erros? Ou quantas vezes a gente mesmo já não usou essa frase tenebrosa? Eu tenho pavor dessa combinação de palavras! Essa é a pior das respostas, fique mudo, mas jamais fale isso. A gente precisa ter consciência do que é, sim, mas precisa mais ainda ter disposição suficiente para não mais querer ser quando descobre-se errado. Esses dias vi um documentário que me fez refletir bastante e nele um filósofo falou o que sempre quis dizer. Ele diz que o ser humano não nasce pronto e vai ficando velho ao longo da vida, isso acontece com fogões e geladeiras que nascem perfeitos e vão ficando piores com o passar dos anos. Nós, humanos, nascemos totalmente crus e vamos melhorando ao longo do tempo e, consequentemente, mudando. É isso, já pensou que horror olhar pra trás e ver que sempre foi igual? Que nunca mudou? Algumas pessoas podem chamar isso de autenticidade, fidelidade a si mesmas ou até mesmo de personalidade forte, bobeira, isso é sinônimo de ignorância. Eu mudei muito com o tempo e espero mudar cada vez mais, espero enxergar meus erros e corrigi-los, quero me sentir insatisfeita comigo pra poder me aperfeiçoar. Isso leva uma vida inteira, aliás, várias vidas inteiras, provavelmente vou morrer ainda com milhares de defeitos, mas não vai ter sido uma vida pobre se eu tiver deixado alguns outros tantos defeitos pra trás. O meu objetivo na vida acho que é esse, é melhorar, ser melhor e nunca – nunca mesmo – usar a desculpa de que “eu sou assim”.

A culpa é de quem?

Em uma rede social da vida, estabeleceu-se uma discussão sobre um vídeo onde uma menina de onze anos é assediada pelo professor. Eu nem vi o vídeo e nem pretendo, essas coisas me deixam com muito nojo, prefiro poupar meu estômago. Sei que em determinado momento, pessoas começaram a comentar que a culpa era da garota que se insinuava e que ela bem que estava gostando das carícias. Aí é nessa hora que a gente olha pros lados e pensa, tá todo mundo louco mesmo ou sou só eu que não estou acompanhando? Nessa hora dá vontade de soltar um palavrão e chacoalhar as pessoas, é assustador que alguém consiga culpar uma criança de onze anos pelo descontrole sexual de um adulto.

Acho que o mundo já tá bom de acabar mesmo e ver se alguma coisa muda ao começar de novo, a culpa não é mais do ladrão, é do cidadão que atendeu o celular no meio da rua. O sequestrador tá coberto de razão, a culpa é do sem noção que comprou um carro grande que chama atenção e custa 300 mil reais. A culpa não é do político que mentiu e roubou, é do eleitor ingênuo que acreditou no discurso da TV. A culpa não é do estuprador, é da mulher que exagerou no decote. Invadiram sua casa e levaram tudo, a culpa é sua também que não colocou uma proteção adequada com choques, câmeras, alarmes e terror. Envenenaram seu cachorro? Lide com isso: a culpa também é sua que deixou ele perto do portão.

Saudade do tempo em que o bom era regra e o mau chocava, agora é assim: todo mundo é mau até que se prove o contrário e cabe a cada um tomar as devidas precauções para que não tenha seus direitos básicos violados. Como é, meu Deus, que a gente parou aqui? Onde volta? E o que assusta mais é ver que para as pessoas – principalmente para as mais novas – a realidade é essa mesmo, a percepção é clara, a maldade está em tudo, se você foi vítima, a culpa é sua e da sua displicência, da sua falta de cuidado.

Desisto.

Nas grandes cidades do pequeno dia-a-dia, o medo nos leva a tudo, sobretudo a fantasia. Então erguemos muros que nos dão a garantia de que morreremos cheios de uma vida tão vazia (…) Nas grandes cidades de um país tão violento, os muros e as grades nos protegem de quase tudo, mas o quase tudo quase sempre é quase nada e nada nos protege de uma vida sem sentido.”

(Engenheiros do Hawaii – Muros e Grades)